As operações da Polícia Federal de maior impacto ao país - REVISTA VEJA, 10/09/2010
às 10:35 \ Brasil.Nos últimos anos, a PF vem obtendo resultados de impacto em operações de âmbito nacional – algumas investigações jogaram luz sobre alguns dos mais repugnantes espetáculos de corrupção já vistos na história do país, como na Operação Caixa de Pandora. Em 2009, os agentes federais revelaram ao país as vergonhosas cenas do mensalão brasiliense, comandado pelo então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, que teve o mandato cassado e passou uma temporada na prisão. Sem nenhum pudor, políticos foram filmados recebendo dinheiro de propina em meias, cuecas, bolsas e até via Correios. A mais recente operação da PF a abalar o governo chama-se Voucher, e foi deflagrada no Ministério do Turismo. Apenas no primeiro dia de ação, 35 pessoas foram presas.
Dois anos antes, a Operação Hurricane (furacão, em inglês) deu início ao que VEJA classificou como a maior devassa já sofrida pela Justiça. Numa ação sem precedentes na crônica policial brasileira, agentes federais vidências de venda de decisões judiciais, num esquema criminoso que pode ter chegado ao STJ, a mais alta corte do país para assuntos não-constitucionais.
A investigação levou 25 pessoas à cadeia e revelou a existência de um esquema clandestino de venda de sentenças e liminares, quase sempre destinadas a beneficiar empresários que exploram o jogo ilegal, sobretudo casas de bingo que operam com máquinas de caça-níqueis, o que é proibido por lei desde 2000. A Operação Hurricane foi uma das maiores da história policial, mobilizou 400 agentes e apreendeu 2 toneladas de documentos, em papel e meio magnético, além de capturar 19 armas, 51 veículos de luxo, 523 jóias, 160 relógios de marcas famosas e muito dinheiro em cheque e moeda sonante, no valor de 10 milhões de reais.
Em 2006, a Operação Sanguessuga da PF desmantelou uma quadrilha que roubou 110 milhões de reais destinados à saúde. Dois anos antes, descobriu-se que uma máfia, que ficou conhecida como a dos vampiros, desviava dinheiro destinado pelo Ministério da Saúde à compra de hemoderivados. A diferença é que os vampiros atuavam diretamente no Ministério da Saúde, enquanto os sanguessugas preferiam agir no Congresso Nacional. O roubo ocorreu na compra de mais de 1.000 ambulâncias para prefeituras de seis estados em cinco anos.
Os mafiosos aliciavam parlamentares para incluir emendas de compra de ambulâncias no Orçamento, prefeitos para montar licitações dirigidas e funcionários do alto escalão do governo para liberar rapidamente o dinheiro a ser pago pelas ambulâncias. As propinas eram garantidas com o superfaturamento dos veículos, que chegava a 260% do seu valor. Mais de 40 pessoas foram presas durante a operação.
Deflagrada pela Polícia Federal em 2007, a chamada Operação Navalha revelou que o empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, conquistava obras públicas mediante o suborno de uma ampla rede de colaboradores no mundo político. VEJA teve acesso à íntegra das provas produzidas pela PF. Esses documentos inéditos demonstram que, quando precisava de favores em Brasília, a turma de Zuleido recorria à bancada do PMDB no Senado.
A chave para o sucesso das investigações está na mudança de estratégia da PF. O sistema de escutas, que ainda é a base das investigações policiais de grande porte, foi modernizado e, talvez mais importante, a instituição mudou a tática de dar pequenos botes cada vez que os criminosos visados se mexiam demais. O método do momento é deixar o sabiá do crime voar livre durante algum tempo, cantando à vontade. O pássaro é seguido, gravado, identificado na sua rede de contatos. Ao fim de um período determinado, os agentes pegam o sabiá e mais um viveiro cheio de espécies variadas. Foi o que aconteceu em 2004 com a Operação Zaqueu, que pôs na mira uma dezena de auditores do trabalho suspeitos de praticar corrupção na linha de recepção e empresários dos ramos de construção e produtos eletrônicos, acusados do mesmo delito, na extremidade oposta.
O mesmo ocorreu na Operação Anaconda, que teve início em Alagoas com a denúncia de que um delegado aposentado da PF estava envolvido em um esquema para aliviar a situação de acusados em inquéritos policiais. A investigação durou um ano e meio, chegou a São Paulo, resultou em nove prisões – incluindo a mais fragorosa, do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos – e contou com dois diferenciais: o rigor em relação ao sigilo das investigações e o uso de novas tecnologias nos procedimentos. Na Anaconda, foram grampeadas 181 linhas telefônicas, um volume que seria inadministrável no tempo em que as salas de arapongagem da PF eram uma profusão de tomadas e fios, cada um conectado a um gravador.
Nem sempre, porém, tudo corre como deveria com as investigações. A Operação Satiagraha conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, investigou crimes financeiros que seriam cometidos por um grupo comandado pelo presidente do Banco Opportunity, Daniel Dantas. Mas a operação também ficará marcada para sempre por ter servido de fachada para o funcionamento de uma máquina ilegal de espionagem que, em ousadia e abrangência, também não tem paralelo na história brasileira.
Durante um ano e meio, eles vigiaram e grampearam, além do banqueiro, deputados, senadores, juízes, advogados e jornalistas – na maioria das vezes, de maneira ilegal. Ao final, o delegado produziu um relatório que se presta a ajustes de contas pessoais, políticas e empresariais. Pelo fato de as autoridades terem usado o aparelho estatal de forma ilegítima e lançado uma série de acusações mal fundamentadas e formuladas, o resultado é que o banqueiro escapou da condenação a dez anos de prisão por corrupção ativa e da multa de 12 milhões de reais. A decisão foi do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que suspendeu todas as ações da Operação Satiagraha
A impunidade, produto resultante da soma de um trabalho policial precário com um código processual anacrônico e um sistema judiciário labiríntico, é um mal que, no Brasil, já se tornou endêmico. É preciso que a PF combata esse flanco, ainda que isso signifique cortar a própria carne. Assim, a corporação ajudará a combater um dos principais pilares da corrupção no Brasil.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA:
"A impunidade, produto resultante da soma de um trabalho policial precário com um código processual anacrônico e um sistema judiciário labiríntico, é um mal que, no Brasil, já se tornou endêmico."